Após a leitura do livro “A importância do Ato de Ler” resolvemos praticar a perspectivas freiriana de leitura como reescrita do mundo , para tal, usando o percurso do Paulo Freire Leitor, decidimos todas e todos do Grupo de Estudo Leitura Teoria Prática Crítica, escrevemos nossas Biografia de Leitores.
Abaixo, reproduzo o meu texto que levei para o grupo e convido a todas e todos a fazerem o mesmo e compartilhar conosco como foi essa experiência de rememorar o seu trajeto que lhe constituir ser leitor. O nosso grupo de Estudos, coordenado pelo programa de extensão Viva Palavra e pela Livro Livre Curió Biblioteca Comunitária, reúne-se todas as terças-feiras, as 13:30 no CH da UECE, Fortaleza-CE
Caso fossemos ricos, nomearia o entre cômodo que ligava a cozinha ao quarto, corredor e a porta do bar de minha avó, de Sala de Jantar. Era nesta Sala, com uma mesa de ferro tirada do bar, para servir de mesa de jantar, em que minha avó sentava, e ficava puxando conversa com a gente, contando as mais absurdas histórias e causo, segundo ela verdadeiríssimas, da história da Maraponga e da vida dela, e de seus familiares.
Meu pai adotivo, igualmente dono de bar, um homem negro, alto, muito forte, também era dado a contar causos para mim, principalmente quando estávamos só ele e eu. Junto com a trilha sonora constante dos bares de minha vó e de meu pai, essas são minhas memórias mais antigas em relação ao universo da palavra.
Os causo fizeram-me apaixonado por história, as músicas por poesia, e as figuras mais emblemáticas da mítica Maraponga de minha infância, tornaram-me um ser curioso e imaginativo, essa primeira leitura de mundo, é o início do meu percurso leitor.
Estudava na escolinha da Professora Silvia Helena, uma mulher carrasca, terrível, com métodos de ensino baseados na punição, no grito e no medo, aprendi o Bê-a-bâ somente para poder me livrar dos métodos de tortura, o que afastou-me drasticamente de qualquer afeto possível do universo escolar. Contudo, por sorte do destino, quando fui transferido para uma outra escolinha, ainda no jardim II, a escolinha Pica-Pau, com uma professora inteligente, afetuosa e que nos incentivava com música e poesia, foi que eu comecei a ter meu primeiro interesse verdadeiro pela palavra escrita.
Gostava de ficar lendo os livros de português, principalmente por causa dos contos e dos poemas, e das músicas, amava ler as letras de música nos livros didáticos, e quando ia para igreja com minha vó, fazia questão de trazer a folha dos cânticos, algo que era proíbido, para pode ficar lendo a letra e rememorando o ritmo das palavras cantadas. Não tínhamos livros em casa.
Nesta Época, uma tia vinda de São Paulo, trouxe uma caixa de livros, eram livros de banca de revista TEX, que meu tio adorava, e alguns livros tidos como paradidáticos, nas escolas paulistas, da coleção vaga-lume, e que era de minha prima. Deixados de lado, em uma caixa velha, certo dia peguei um desses livros para ler, Menino de Asas de Homero Homem, achei a história tão fantástica, instigante, algo que não sabia ser do mundo dos livros, que desde então busquei a biblioteca da escola, para novos livros. Uma pena, na minha escola não tinha biblioteca, quer dizer, tinha, mas era trancada e servia como depósito para um mobiliário estragado com esperanças de uma reforma nunca vindoura.
Isso foi por pouco tempo, pois, influenciando meu primo, eu apenas com 10 anos de idade, consegui junto com ele, fazer a transferência de uma escola para outra, sem consultar ninguém da minha casa, essa atitude intuitiva, foi uma verdadeira salvação para minha vida, a nova escola, era literalmente nova, estava sendo inaugurada e tinha até uma biblioteca de verdade. Tinha, mas não funcionava direito, pois a biblioteca só abria raramente, e com muita insistência, a moça da biblioteca, começou a deixar eu levar livros pra casa.
Levei o caso para a diretoria da escola, e no alto da empáfia dos meus 10 anos, junto com alguns colegas que caíram na minha lábia infantil, exigimos ao diretor da escola que a biblioteca fosse aberta, pelo menos na hora do recreio. Vitória nossa!
É desse tempo que meu primeiro mergulho no mundo dos livros aconteceu, Stella Car, Pedro Bandeira, os Clássicos Adaptados, livros de aventura, de investigação, heróis, fantasia, um mundo que se abria diante dos meus olhos, enquanto eu ficava deitado em cima do balcão, pastorando o bar de minha vó, e quando esta acordava e me via exatamente como estava, sempre repetia “tu vai ficar é doido de tanto ler, vai estragar as vistas”.
Um dia, um momento que temia realizou-se, minha mãe anunciou que nós teríamos que nos mudar de casa, e ir para o bairro novo, o Conjunto Curió. Depois de um período de mudança, o inevitável aconteceu, tive que me desligar drasticamente do bairro novo, sendo transferida para a escola nova. Eu estava odiando tudo isso, até descobrir que a escola nova, tinha uma biblioteca 5x melhor e com uma funcionária super simpática que adorava conversar e contar história, a Josi, que convidei para ser a minha madrinha de oitava série. Mais livros, dessa época, conhecendo novas amigas, a Patrícia e a Vanessa, comecei a inventar minhas próprias histórias, a escrever, eu já escrevia uns poemas, inspirado pelos livros de poemas que lia vez ou outra, principalmente meu livro predileto do Manuel Bandeira, que fiz o favor de roubar da Biblioteca antes de me mudar de bairro e de escola, mas narrativas maiores, mais elaboradas, tramas, foi junto com essas minhas amigas, regado a uma pilha de leituras que só aumentava.
Eu saberia dizer quais os livros que tinha e que não tinha lá na minha Biblioteca, onde eles estavam, eu inventava qualquer tipo de desculpa para fugir da sala e ir para Biblioteca, ficar conversando com a Josi, alimentando minha imaginação para os momentos em que iria escrever com as minhas amigas.
Alguns anos se foram dessa minha infância-adolescência, mas os livros alimentaram a minha imaginação, aumentaram meu mundo, mostram-me possibilidades, universos, tramas, sentimentos, conhecimentos dos quais sequer suspeitava existir, fatos e cenários totalmente distantes da realidade das comunidades que vivi, da minha família de gente inteligente e criativa, mas que nunca teve acesso a educação formal e ao ensino superior (apenas minha mãe e um tio fizeram o ensino médio).
Com essas palavras, criei uma editora, escrevi livros, blogs, revistas, jornais, projetos, festivais, eventos, ajudei a inventar um centro cultural, o Templo da Poesia e criei, enfim, aquilo aprendi a amar com todo meu coração, Uma Biblioteca.
Talles Azigon